quarta-feira, 7 de agosto de 2013

O periquito (não) é meu!

Inaugurando o nosso OUTRO_ESPAÇO está um texto enviado pelo Vitor.
A narrativa abaixo é baseada em uma situação ocorrida com ele!



O periquito (não) é meu!

Há anos participava das atividades de um clube administrado pela prefeitura da Cidade de São Paulo, o Pacaembu. Neste período fiz várias amizades. Fiz amigos na turma do alongamento, outros na piscina, mais um punhado no condicionamento físico, na segurança e na limpeza...
Tem uma outra turma que é dos corredores: a Márcia, a Deise, o Wilson, o Zeca, a professora Malu, e mais um punhado.
 Em companhia destes últimos, num dia chuvoso e frio para o verão que se aproximava, estávamos dando voltas, treinando em torno do complexo esportivo quando percebi, de longe, no trajeto que faríamos, logo adiante, um objeto verde no solo.
Imóvel e verde, muito verde.
Imaginei ser um adereço que havia caído de cabelos femininos de alguém que também corria por ali. Ao nos aproximarmos mais um pouco percebi ser uma ave! Muito imóvel, mas era uma ave.
Estava viva e, com a minha aproximação, começou a acompanhar-me com os olhos, com um pequeno movimento de cabeça. Em situação normal, teria fugido, pois a distância era mínima. Parei, voltei poucos metros, e fui de encontro ao animalzinho que continuou me olhando nos olhos fixamente. Agachei, num gesto instintivo tentando apanhá-lo com as mãos. Ele pouco lutou para se ver livre da minha intenção. Não era um filhote. Logo concluí que ele estava doente. Tive a impressão que, apesar de assustado, ele apreciava calor das minhas mãos. Senti sua respiração e o seu coração bater acelerado.

Márcia imediatamente prontificou-se a cuidar dele em sua casa. Ela dizia que em sua terra natal , interior do Rio Grande do Sul, era normal as pessoas terem em casa estes animais como estimação,  que eles eram muito inteligentes, amigos como os cães e tratados como filhos da casa.
Decidi “guardar” o animalzinho dentro do meu carro, logo ele se enfiou debaixo de minha camiseta que lá estava. Apesar de ser uma situação passageira, para não tirá-lo do conforto pedi outra camiseta emprestada e fomos para a aula de condicionamento que já estava prestes a começar.
Terminadas as atividades daquele dia, fui direto à veterinária, minha vizinha e amiga Alessandra que, examinando-o, deu um triste diagnóstico: fratura exposta na asa direita e, em conseqüência, por ficar muito tempo no solo frio, uma pneumonia dupla.
Ali mesmo ele foi medicado. Seu comportamento era estranho, ele aceitava tudo resignado como se soubesse que aquilo era o fim da sua pequena existência mas, numa atitude de respeito com relação ao nosso esforço, aceitava tudo. Remédios amargos foram enfiados pela sua garganta. Da sua asa ferida foram arrancadas crostas de sangre e pus misturados com penas. A ferida, que tinha que respirar, foi desinfetada, manipulada, esticada. Os ossinhos foram colocados para dentro da pele que já estava supurada.
Saímos dali, agradecidos com o atendimento da Alessandra, uma receita médica, poucas esperanças e a necessidade da infalível cela, digo, gaiola.

O Daniel, zelador do meu prédio cria pássaros em gaiolas, tem conhecimento de causa e como dizem os especialistas, conhece o "manejo". Num gesto de bom senso, perguntei se ele tinha uma gaiola vazia, como a resposta foi positiva perguntei se ele poderia cuidar de um hóspede, enfermo, até que pudéssemos soltá-lo na natureza junto ao bando que, certamente, ficaria mais um tempo no Pacaembu, ao que ele também respondeu afirmativamente. Era a decisão correta pois, ao contrário da Márcia que trabalha fora , ele teria assistência de mãos experientes 24 horas por dia, e acima de tudo , à uma quadra do  veterinário....

Dias se passaram e o boletim médico era sempre o mesmo: o estado de saúde do paciente é grave, mas os sinais vitais são estáveis.
Minha agonia aumentava na medida em que surgia a possibilidade dele se salvar mas, diante do estrago na sua asa,  ficar prisioneiro até o final de seus dias. E mais, quem ficaria com a sua guarda?  Márcia, minha amiga que se manifestou primeiro, que já exigia a posse do semovente ou o zelador que havia cuidado dele? De uma forma ou de outra, com um ou com outro, eu já estava pronto para cometer uma injustiça.

Na dúvida quanto ao seu sexo, eu dizia que era macho pois tinha uma relação um tanto simbiôntica com a Alessandra. Só vendo para crer: o bichinho se entregando aos cuidados da sua médica particular.
           
Mais dias se passaram, e a situação começou a se reverter. Zig, após várias idas e vindas ao consultório da Alessandra, começou a reagir de forma positiva. O boletim médico agora era o seguinte: o paciente está fora de perigo, mas poderá ficar impossibilitado de ter uma vida normal.
            Aquilo era, para mim o pior que poderia acontecer. Com que direito eu condenaria meu amigo à uma vida vegetativa, prisioneiro por anos a fio?  Salvei-o da gloriosa morte para dar-lhe um destino inócuo, sem sentido, vazio... Ia visitá-lo diariamente e era bem recebido pelo convalescente. Ficamos amigos.

            Viajei por alguns dias, fui passar as festas de fim de ano em Vitória (ES). Fui me dedicar, desta vez, à caça de outros animais silvestres: pobres peixes (só para registrar, naquele  ano me deram um baile).
Na volta encontrei com o Daniel, o zelador do meu prédio. Ele me disse que o Zig estava pronto para uma nova vida. Sim, uma nova vida. Preso ou solto , sua vida nunca mais seria a mesma. Marquei com todos os envolvidos a soltura para as sete horas da manha do dia 4 de janeiro de 2005, no Pacaembu, em ato solene.

            Do meu bando ninguém apareceu. Presentes, só eu e o Zig.

            O dia estava chuvoso. O bando do Zig estava exatamente onde eu imaginava. Lá estavam todos, numa árvore frutífera logo na entrada do complexo. Estacionei o carro e peguei a gaiola pela alça, me dirigi à árvore, abri a portinhola, coloquei calmamente a gaiola no chão e me afastei. Fiquei observando à distância.
Os pássaros da mesma espécie que estavam se alimentando na árvore foram descendo um a um, uns pousavam no chão, outros, pelo lado de fora da gaiola numa gritaria infernal. Zig em determinado momento ficou assustado, encolhido lá dentro. Me deu a impressão de que se fosse humano ele fecharia a porta para se defender de algo que ninguém dali sabia exatamente o que estava para acontecer.
Subitamente um dos pássaros entrou no cativeiro e lá dentro tiveram um contato físico que eu não saberia explicar de que ordem. Foi tudo muito rápido, o bando voltou para a árvore. A gaiola estava vazia.
            Continuei ali parado, no mesmo lugar, imóvel, acompanhando os acontecimentos somente com os olhos. De repente o bando saiu em gritaria em direção à outra árvore. De uma das aves, quero acreditar que era da que voava com mais dificuldade, caiu uma pena que suavemente veio dançando até cair perto de mim. Se eu não estivesse tão apatetado, teria atinado apanhá-la no ar.

Vitor Oliveira





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