quarta-feira, 2 de outubro de 2013

"O que você está escutando?"

Texto originalmente publicado no
JORNAL Agita Pirenópolis
dia 30/set/13



Nesta coluna quinzenal acabo abrindo espaço para discorrer sobre situações no meu cotidiano de trabalho com áreas ligadas à Cultura, Arte e Saúde. São acontecimentos que, de certa forma, me afligem e também preocupam… Aí percebi  que: 1) ou posso ficar reclamando e colocando a culpa (sempre) no outro, seja este outro uma pessoa, governo, instituição; e noto que, se fico nesta postura, me redimo erroneamente e” finjo” esquecer que sou pessoa vivente numa sociedade que também é construída por mim; 2) ou então posso me ocupar em fazer!
E aprendendo a me ocupar em fazer, compartilho mais este texto! Já agradeço por todos os comentários e mensagens que tenho recebido de amigos, conhecidos e de pessoa que ainda não conheço pessoalmente (mas já estamos conectadas virtualmente!): estamos fazendo juntos! Continuem “postando” suas críticas e observações; estou escutando…


     Hoje deixo aqui registrado a ocasião em que eu estava em aula com crianças, entre 10 a 12 anos, que começaram a cantar. Eu não conhecia a musica e por isso perguntei qual era, apesar de – somente pelo ritmo/”batidão” – já ter uma prévia do que se tratava. O tema daquela aula era ARTES e, aproveitando o gancho, perguntei se aquela musica, especificamente, pode ser considerada uma obra de arte.

Após um certo silêncio, um arriscou:
- É arte sim, pro.
- Por que você acha isso? – perguntei
- Porque a musica é um tipo de arte
Sim, a musica é umas das expressões da ARTE. Mas o que faz esta musica que você ouve e canta ser considerada uma arte? Vocês já pensaram sobre esta música que vocês cantam? Como é a letra? Sobre o que ela conta?
Novamente silêncio; pensavam. Após um tempo:
- Ih, professora, não fala nada de bom não… é só “o cara, as minininha…” (e fez uma careta e um gesto acompanhando esta última frase).
 Continuei:
- Pessoal, considerando que um dos papéis da ARTE é nos fazer pensar, ter outras idéias, idéias que nos acrescentam positivamente; e possibilitar uma outra maneira de lidar com a vida. Assim, posso dizer que esta musica que vocês cantavam agora pouco não é uma obra de ARTE. O que vocês acham?
- É… se a gente for pensar, pro…
- Não tem mesmo nada de bom pra aproveitar da musica… – outro completou.
E uma das alunas disse:
- Mas a minha mãe escuta comigo esta musica!
Confesso que fiquei triste com este argumento. E expus isso a ela:
- Fico triste em saber disso. Há tanta musica com conteúdo legal pra gente escutar…
- A gente não escuta mais as musicas de antigamente… – falou outro garoto.
- É, é essa a musica é a que todo mundo escuta hoje!. – disse uma segunda menina.
- Sim, e há sessenta anos atrás, por exemplo, “todo mundo” ouvia o que hoje chamamos de musica clássica, uma das “musicas de antigamente”, como você disse. Alguém já escutou este tipo de musica em que há instrumentos, sem voz humana?
De um grupo de quase dez crianças entre 10 e 12 anos, numa escola particular, só um levantou a mão:
- Eu já, a do cara que era surdo e que tocava piano!
Acrescentei:
- Beethoven foi um musico alemão que, já adulto, começou a perder progressivamente a audição. E mesmo com esta dificuldade continuou compondo e tocando músicas. E há menos de cinquenta anos atrás suas musicas eram uma das que todo mundo ouvia.

E assim fomos conversando… por fim, ficou acordado que eu levaria outros tipos de musicas para que pudessem conhecer e assim saber se gostariam ou não: instrumental (clássico e contemporâneo), musicas de “raiz”, outras tradicionais brasileiras, enfim… selecionei um repertório diversificado, diferente do que conhecia a maioria dos alunos,  que começavam a se abrir para escutar outras coisas através da música.

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