A narrativa abaixo é baseada em uma situação ocorrida com ele!
O periquito (não) é
meu!
Há anos participava
das atividades de um clube administrado pela prefeitura da Cidade de São Paulo,
o Pacaembu. Neste período fiz várias amizades. Fiz amigos na turma do
alongamento, outros na piscina, mais um punhado no condicionamento físico, na
segurança e na limpeza...
Tem uma outra
turma que é dos corredores: a Márcia, a Deise, o Wilson, o Zeca, a professora
Malu, e mais um punhado.
Imóvel e
verde, muito verde.
Imaginei ser
um adereço que havia caído de cabelos femininos de alguém que também corria por
ali. Ao nos aproximarmos mais um pouco percebi ser uma ave! Muito imóvel, mas
era uma ave.
Estava viva e,
com a minha aproximação, começou a acompanhar-me com os olhos, com um pequeno
movimento de cabeça. Em situação normal, teria fugido, pois a distância era
mínima. Parei, voltei poucos metros, e fui de encontro ao animalzinho que
continuou me olhando nos olhos fixamente. Agachei, num gesto instintivo
tentando apanhá-lo com as mãos. Ele pouco lutou para se ver livre da minha
intenção. Não era um filhote. Logo concluí que ele estava doente. Tive a
impressão que, apesar de assustado, ele apreciava calor das minhas mãos. Senti
sua respiração e o seu coração bater acelerado.
Márcia
imediatamente prontificou-se a cuidar dele em sua casa. Ela dizia que em sua
terra natal , interior do Rio Grande do Sul, era normal as pessoas terem em
casa estes animais como estimação, que
eles eram muito inteligentes, amigos como os cães e tratados como filhos da
casa.
Decidi
“guardar” o animalzinho dentro do meu carro, logo ele se enfiou debaixo de
minha camiseta que lá estava. Apesar de ser uma situação passageira, para não
tirá-lo do conforto pedi outra camiseta emprestada e fomos para a aula de
condicionamento que já estava prestes a começar.
Terminadas as
atividades daquele dia, fui direto à veterinária, minha vizinha e amiga Alessandra
que, examinando-o, deu um triste diagnóstico: fratura exposta na asa direita e,
em conseqüência, por ficar muito tempo no solo frio, uma pneumonia dupla.
Ali mesmo ele
foi medicado. Seu comportamento era estranho, ele aceitava tudo resignado como
se soubesse que aquilo era o fim da sua pequena existência mas, numa atitude de
respeito com relação ao nosso esforço, aceitava tudo. Remédios amargos foram
enfiados pela sua garganta. Da sua asa ferida foram arrancadas crostas de
sangre e pus misturados com penas. A ferida, que tinha que respirar,
foi desinfetada, manipulada, esticada. Os ossinhos foram colocados para dentro
da pele que já estava supurada.
Saímos
dali, agradecidos com o atendimento da Alessandra, uma receita médica,
poucas esperanças e a necessidade da infalível cela, digo, gaiola.
O Daniel,
zelador do meu prédio cria pássaros em gaiolas, tem conhecimento de causa e
como dizem os especialistas, conhece o "manejo". Num gesto de bom
senso, perguntei se ele tinha uma gaiola vazia, como a resposta foi positiva
perguntei se ele poderia cuidar de um hóspede, enfermo, até que pudéssemos
soltá-lo na natureza junto ao bando que, certamente, ficaria mais um tempo no
Pacaembu, ao que ele também respondeu afirmativamente. Era a decisão correta pois,
ao contrário da Márcia que trabalha fora , ele teria assistência de mãos experientes
24 horas por dia, e acima de tudo , à uma quadra do veterinário....
Dias se
passaram e o boletim médico era sempre o mesmo: o estado de saúde do paciente é
grave, mas os sinais vitais são estáveis.
Minha agonia
aumentava na medida em que surgia a possibilidade dele se salvar mas, diante do
estrago na sua asa, ficar prisioneiro até o final de seus dias. E mais,
quem ficaria com a sua guarda? Márcia,
minha amiga que se manifestou primeiro, que já exigia a posse do semovente ou o
zelador que havia cuidado dele? De uma forma ou de outra, com um ou com outro, eu
já estava pronto para cometer uma injustiça.
Na dúvida
quanto ao seu sexo, eu dizia que era macho pois tinha uma relação um tanto
simbiôntica com a Alessandra. Só vendo para crer: o bichinho se entregando aos
cuidados da sua médica particular.
Mais dias se
passaram, e a situação começou a se reverter. Zig, após várias idas e vindas ao
consultório da Alessandra, começou a reagir de forma positiva. O boletim médico
agora era o seguinte: o paciente está fora de perigo, mas poderá ficar
impossibilitado de ter uma vida normal.
Aquilo
era, para mim o pior que poderia acontecer. Com que direito eu condenaria meu
amigo à uma vida vegetativa, prisioneiro por anos a fio? Salvei-o da gloriosa morte para dar-lhe um
destino inócuo, sem sentido, vazio... Ia visitá-lo diariamente e era bem
recebido pelo convalescente. Ficamos amigos.
Viajei
por alguns dias, fui passar as festas de fim de ano em Vitória (ES). Fui me
dedicar, desta vez, à caça de outros animais silvestres: pobres peixes (só para
registrar, naquele ano me deram um baile).
Na volta
encontrei com o Daniel, o zelador do meu prédio. Ele me disse que o Zig estava
pronto para uma nova vida. Sim, uma nova vida. Preso ou solto , sua vida nunca
mais seria a mesma. Marquei com todos os envolvidos a soltura para as sete
horas da manha do dia 4 de janeiro de 2005, no Pacaembu, em ato solene.
Do
meu bando ninguém apareceu. Presentes, só eu e o Zig.
O
dia estava chuvoso. O bando do Zig estava exatamente onde eu imaginava. Lá
estavam todos, numa árvore frutífera logo na entrada do complexo. Estacionei o
carro e peguei a gaiola pela alça, me dirigi à árvore, abri a portinhola,
coloquei calmamente a gaiola no chão e me afastei. Fiquei observando à
distância.
Os pássaros da
mesma espécie que estavam se alimentando na árvore foram descendo um a um, uns
pousavam no chão, outros, pelo lado de fora da gaiola numa gritaria infernal.
Zig em determinado momento ficou assustado, encolhido lá dentro. Me deu a
impressão de que se fosse humano ele fecharia a porta para se defender de algo
que ninguém dali sabia exatamente o que estava para acontecer.
Subitamente um
dos pássaros entrou no cativeiro e lá dentro tiveram um contato físico que eu
não saberia explicar de que ordem. Foi tudo muito rápido, o bando voltou para a
árvore. A gaiola estava vazia.
Continuei
ali parado, no mesmo lugar, imóvel, acompanhando os acontecimentos somente com
os olhos. De repente o bando saiu em gritaria em direção à outra árvore. De uma
das aves, quero acreditar que era da que voava com mais dificuldade, caiu uma
pena que suavemente veio dançando até cair perto de mim. Se eu não estivesse
tão apatetado, teria atinado apanhá-la no ar.
Vitor Oliveira
O que achou? Tem coisas para dividir e somar?
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