Uma apresentação Clownesca numa
Comunidade Indígena!
Num domingo chuvoso em Ubatuba, cidade do litoral norte de São
Paulo, ocorreu um inusitado episódio: uma apresentação de clown numa aldeia indígena.
Dezembro de 2012. No cume de uma montanha na
Mata Atlântica, no Sertão do Promirim, fica a Tekoa Jaexaa Porã, que ali chegando torna-se dispensável explicar o
porquê “Aldeia Boa-Vista” ser a
tradução para o português.
E lá fomos nós: Ceci com seu esposo, Wiliam - que alegremente
acataram a minha idéia da apresentação -, e eu
com toda minha parafernália cênica. Agradeço vocês por terem topado a rara empreitada comigo!
Wiliam cuidaria das fotos, e Ceci (que desenvolve um trabalho
de pesquisa na área linguística sobre a tradição oral com a comunidade) já havia explicado e conversado com as
lideranças pertinentes. Num primeiro momento eles não compreenderam claramente do que se tratava, que depois fui compreender o motivo, mas se interessaram pela idéia de uma apresentação para as crianças na aldeia.
Chegamos e encontro um abraço carinhoso da
matriarca da etnia, Dona Jandira Rosa
Paraguassu. Uma das jovens lideranças, Mario K. Tataendy diz que não estava
sabendo e que não poderia ficar.
Chove aqui, senta acolá, espera um pouquinho
ali... tudo sem nenhuma pressa... passa cachorro, galinhas com seus pintinhos; e vejo surgir uma
criançada curiosa mas hesitante, não se aproximam muito de mim.
Não pudemos conversar: em função da idade as
crianças ainda não foram alfabetizados na língua portuguesa. Soube que elas
pouco saem da Aldeia, que o professor bilíngüe é um membro da própria
comunidade e a escola estadual ali possui verba federal. Aquelas crianças
conhecem o guarani. E eu não.
Definido o local, um pequeno galpão
semi-abandonado em que funcionava o ex-centro comunitário, levo minha roupa e
maquiagem para a “oca” de alvenaria mais próxima, onde me apronto... e intuitivamente não carrego na maquiagem.
Começa a música de entrada, selecionei um
chorinho de Chiquinha Gonzaga.
Caminho clownescamente pelo mato e pela chuva
em direção ao galpão.
Que surpresa! As crianças nunca viram um palhaço e se assustam com a minha chegada:
fecham os olhos, viram a cabeça, escondem o rosto com as mãos...
Clown CHIMOMI se assusta com o susto de ter
assustado!
E continuo: elas desviram a cabeça, abaixam as
mãos, começam a olhar para mim...
Mantenho: pandeiro, música, bola de contato,
expressões. Pantomima.
Meu personagem
nada verbaliza.
Vejo os risos, os sorrisos com
monossilábicas expressões de surpresa.... elas começam a imitar meus gestos e expressões faciais!
Quarenta minutos depois retorno à “oca”, finda a apresentação.
Me
troco e desfaço a maquiagem.
Volto ao galpão.
Ceci, interrogada por Dona Jandira quer saber a respeito
de cesto que uso em cena. Segundo D. Jandira cesto daquela região não era, e disse
ainda que, pelo tipo de material e feitura, foi confeccionado pelo subgrupo da etnia guarani que habita o norte do Paraná.
Eu, impressionada com a pergunta, confirmo a
resposta: o cesto foi presente de minha irmã Fábia, que naquele estado vive com meu cunhado, e lá
comprou dos próprios índios o artefato.
Sento no chão, próximo às crianças, que me sorriem. Sinto que todo meu
corpo também sorri: elas se aproximam e tocam minha boca, meus olhos, meus cabelos, pegam meus óculos.
Sobem no meu colo, abraçam minhas pernas e braços... me mostram os brinquedos delas, querendo que eu os segure. Naqueles instantes nada
falamos e muito brincamos!!!
D. Jandira me sorri. De fala sucinta, mansa e sincopada, diz que ela e
as crianças gostaram da apresentação. Eu também! E muito!
Até onde se sabe, nunca antes ocorrera nenhum tipo
de apresentação na Aldeia, ninguém antes fora ali com este intuito. As crianças viram uma apresentação pela primeira vez, e aí entendi o susto inicial com o palhaço, com a musica, com meus objetos cênicos.
Tomara que
demais pessoas, artistas ou não, abram espaços - primeiro dentro de si! - para que possam
acolher a alegria de aprender ali o que com eles aprendi.
A todos,
muito
obrigada por isto,
a´evete
Flávia Cunha
Bahia, Fev/2013
OBS: As belas imagens foram registradas pelo Wiliam,
e editadas por mim.
Também acrescento uma nota que Ceci me
enviou:
“Não há um consenso na ortografia
das línguas indígenas; é um processo em construção. Portanto, vamos encontrar
diferentes formas de grafar as palavras, dependendo do dialeto dos subgrupos e
dos critérios de descrições linguística”.
Sobre um dos trabalhos de Ceci com
etnias indígenas, acesse:
http://flaviacunhaflavia.blogspot.com.br/p/palhaca-chimomi.html