Eu nunca acreditei em diabos, venho de uma cultura
monoteísta, que é a cultura do Santuário da Natureza, na qual Deus é o criador
e todos os demais são criaturas. Criaturas aquáticas, criaturas terrenas,
criaturas do fogo, criaturas voadoras, do ar, e que os humanos eram uma quinta
criatura, produto das quatro primeiras. Nesta cultura me inicie, aprendi a
falar, me comunicar. Aprendi com o que tinha dentro de mim, com a minha herança
pessoal de todo este sistema.
Com as criaturas do fogo eu conheci as paixões, quentes, rápidas, intensas,
fulminantes e mortais.
Com as criaturas da água eu conheci os amores, que infelizmente foram muito
poucos, mas que, felizmente, me saciaram.
O fogo, para mim, passou a ser um componente amigo, para fulminar os meus
excessos, os meus exageros.
Solidarizei-me com as criaturas da água, nadei nas águas mansas do amor, mergulhei
até Poseidon e conheci outras águas, criaturas mais profundas, mais perenes,
que conquistaram a imortalidade e decidi que também seria um imortal.
Já, no começo destes aprendizados, percebi que já não podia voltar à
superfície, para os espelhos d'água, que espelha o céu na sua distância.
O que os espelhos d'água refletem, embora pareça o céu dos aviões, na verdade
são reflexos que escondem o céu dos imortais. No fundo, na profunda natureza
das águas eternas, nestes terrenos, é proibida a entrada do fogo, do fogo como
o conhecemos,
No percurso do mergulho o fogo que conhecemos se dilui, se consome, burilando
as nossas imperfeições.
Quando emergia destes terrenos dos imortais as primeiras criaturas que me
recebiam eram elas, as criaturas do fogo. Desde o começo desta trajetória,
percebi a diferença, queimavam a minha pele, ardiam a minha alma, confundiam a
minha mente e tudo isto foi bom, porque com isto aprendi o que eu tinha que
queimar em mim, abdicar, e renunciar para criar um espaço vazio para conter o
que já me continha, para ser fruto do que já era conteúdo: nascer nas águas
profundas no céu dos imortais.
Na superfície, estabeleci contatos com as criaturas terrenas e aéreas,
criaturas que sabiam andar e pensar. Andar e pensar são suficientes para
conquistar o livre-arbítrio. Andar traz a liberdade, pensar traz o arbítrio, o
juízo. O que eu ainda não sabia é que caminhar com juízo depende de muitos
interesses e o que é juízo para uns não é arbítrio para outros. Assim entendi:
terra e liberdade, ar e arbítrio, e com a minha terra e o meu ar fortaleci o
juízo para me manter na minha escolha: habitar o fundo das águas onde o amor é
companheiro, onde a dor pertence ao fogo fulminando o que precisa morrer para
que o céu dos imortais continue a existir.
Por tudo isto compreendi, enfim, o que são o inferno e o diabo. São
comportamentos, desejos e hábitos. A superfície das águas nos ilude inventado
uma importância para esta superfície que de fato não existe, a água superficial
é mentirosa e a sua principal mentira é que estas águas e os seus reflexos
ilusórios matam a sede. Mentira! Estas águas mantém a sede que ferve o fogo e
nos cega com as suas paixões. Só quem mergulha sabe. Só quem consente que o
fogo queime o que esta superficial em nós sabe e assume o preço da dor de arder
neste inferno − queimar-se, fulminar-se, purificando-se −. Não é fácil, muito
pelo contrário, é muito difícil. No meu caso eu tive data para começar e
encerrar esta jornada de 1991 a 2011. Por razões que tem a ver com a minha
jornada pessoal, não sinto nenhuma necessidade de esclarecer este ponto. Mas eu
tinha uma data.
Neste momento me encontro na profundeza das águas. Iniciei este mergulho sob o
sol de escorpião do hemisfério norte no mês de novembro. Minha alma esta calada,
recebi pouquíssimas visitas, mas isto eu já sabia, nas águas profundas, o amor
é destituído de paixões e muitos poucos conseguem amar assim. Muito
interessante esta experiência, a gratidão é um talento que habita o meu
coração. É muito bom ter o que e a quem agradecer, quem agradece, no final de
uma jornada, é porque encontrou, no trajeto, criaturas que os auxiliaram, que
se ocuparam conosco e para tanto não permitiram que as paixões superficiais dos
reflexos das águas superficiais impedissem o nosso mergulho.
De novembro de 2011 a março de 2012. Foram, para mim, quatro meses muito
difíceis. As profundas águas de Escorpião me fizeram chorar, contorcer com os
venenos que passavam pelas minhas veias, estourei os ouvidos com lesões
profundas, fruto desta contorção pelas inúmeras picadas, antigas e novas, que
torturaram o meu corpo e traziam lucidez para a minha alma.
Enquanto o veneno corria meu corpo chorava a sua dor e minha alma foi
descobrindo tudo o que me doía.
O profundo fogo de Sagitário, fogo frio, fogo azul, fogo que modela, fogo
verdadeiro me batizou em suas brasas, crismou-me nos meus intentos, fez crescer
o meu juízo.
As terras de Capricórnio arrastaram os meus pés para um espaço mais profundo
das águas mais profundas do céu dos imortais. Encontrei-me com a caverna de
Saturno, arrastei-me, rastejei-me dentro dela, uma terra nova e velha ao mesmo
tempo e, nas suas rachaduras, estava o que sobrou do corpo dos imortais que já
não precisavam mais dele e o deixaram ali na caverna de Saturno. Rastejando e
arrastando o meu corpo tomei consciência do que é morte e vida.
Morrer e viver foram os meus pensamentos aquarianos e descobri que para
verdadeiramente viver a morte do que é superficial não bastaria matar só em
mim, embuti-me na jornada para identificar em o quê e em quem eu ainda vivia.
Em quem eu ainda vivia organizou uma festa e me ofereceu. Queriam comemorar a
minha presença, o meu retorno ao hemisfério Sul. Distribui convites, convidei a
todos para um banquete de viver em mim e para descobrir quem não mais me tinha
como alimento. Nos tempos difíceis qualquer deslocamento também é muito
difícil, mas não foi empecilho porque ainda se alimentava em mim e a mim se
oferecia como alimento.
Aconcheguei-me na vida minha que encontrei nos corpos e nos abraços dos que
vieram ao meu banquete, assim foi o meu mergulho em Aquários compreendendo o
que tem força para viver e aceitando os que usam esta mesma força para morrer.
Morte e vida traz o renascimento e renasci na transpiração de Netuno, nas águas
piscianas, profundas, espirituais, oras fria, oras quente, terna, eterna.
Comi e fui comido pelos peixes que continuaram na minha rede, distribui e
recebi energias que geram o movimento, dei o que tinha e o que eu tenho são os
mergulhos nas iniciações para quem quer ser fruto do conteúdo do Santuário da
Natureza. Recebi um pagamento para me manter na superfície, esta é a energia
que gera o movimento do que eu tenho para dar e do que preciso para sobreviver
a superfície.
Foi tão forte a experiência que emergi para a superfície e lá estava o fogo de
Marte e de Áries me esperando. Não temi e vi o meu corpo incendiar de dentro
para fora, todos os meus poros libertaram as suas labaredas. Nenhuma dor.
Saturno já havia me conscientizado que o fogo de Áries só queima o que de fato
não nos pertence, são hóspedes, inquilinos que precisam se alimentar no
banquete das criaturas imortais, mas não pagam o preço do mergulho e ocupam
espaços no nosso corpo, no nosso viver para serem transportados para uma breve
estadia no banquete dos imortais e Áries queimou, tirou alguns músculos do
lugar, fiquei sete dias sem andar. Isto doeu. Alinhamento muscular dói. O que
me confortou nestas dores foi saber, Saturno me disse, quando os músculos se
deslocam é para cobrar dos ossos uma nova qualidade de sangue. Um sangue
espiritualizado e aprendi, no meu rastejar, nas terras do capricórnio.
Aqui deixo o meu agradecimento a todos que fortaleceram neste mergulho, aos que
me ajudaram com comidas, bebidas, com as minhas dores, todas elas, não foram em
vão.
Neste texto eu narro superficialmente a minha iniciação com a sintonia e a
sincronicidade com os quatro elementos no final de 2011, início de 2012. Quem
quiser entender ou saber mais, ou mais ainda, participar das vivências que
aprendi com este mergulho entre em contato comigo.
Feliz feriado na superfície e para quem vai um humano mergulho nas águas dos
imortais.
Halu Gamashi
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